Aqui é onde a terra se despe
e o tempo se deita..

(Mia Couto, A Varanda do Frangipani)

quinta-feira, 28 de abril de 2016







Lembra?


Eu lembro.

E em lembrança, no meu acordado sonho, te vejo sempre em meio ao azul.
Nunca te toco, te sinto como cor.
Índigo.
Céu.
Meu esperar.
Meu anseio e minha urgência atrasada.
Minha intimidade, meu segredo e minha ferida.
Tu.
Meu sentir dormente. Meu mais gritante silêncio.
Não sinto mais saudade, sinto apenas a ausência como porta fechada de uma vida cheia de esperar.
Continuo aqui. e tu, perto do mar.
Azul aqui de ti longe. E perto de onde estás, azul de tanto mar.

Azul de tanto amar, desbotado de esperar.


O menino quebrado


Não falava, engolia palavras que machucavam por além da mudez.
Não via, seus olhos quebraram antes de abrir as pequenas cortinas ciliadas daquelas janelas cansadas.
Não sorria. Ato injustificável. Era de se manter fechada a porta de sua tragédia.
Não tentaria viver. Não saberia. Um sobrevivente. Sabia poucas coisas. 
Engolido, quebrado, amputado de feições. Instinto em um corpo abandonado de alma.
Poderia ser outra coisa. Em um outro dia, outra hora.
Não hoje.






A vida lhe desacontecia.
Era alma moribunda, onde não cabia nem a vontade de não ser.
Alheia a tudo, já não era triste. Não era mais.
Vazou-se em água salgada; feita de um choro mudo. Secou.
Era alguém, mesmo que não entendesse sobre existir. Esmorecia.
A vida lhe engoliu e avessamente ao sentido das coisas, a própria vida entranhou-se em seu ventre, donde nunca mais saiu.
Não era viva, não podia morrer.
Não vivia e nem morria.
Abandonou-se.