Aqui é onde a terra se despe
e o tempo se deita..

(Mia Couto, A Varanda do Frangipani)

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

A menina que roubava Livros - Markus Zusak


Livro que ganhei da Giulia em meu aniversário de 36 anos. Demorei um pouco para começar a ler porque não achei que essa leitura combinaria com um início de verão. Esperei a troca da estação e para minha surpresa não consegui parar de ler até encontrar o fim. E que leitura incrível, dois presentes no mesmo presente. O carinho da minha filha e uma das estórias mais lindas que li. Quanto talento Zusak, quanta sensibilidade na criação de tão encantadores personagens. Ontem revi o filme, também belíssimo, mas o livro sempre será especial. 
Uma estória que tem como narrador a morte, como primeira impressão imagina-se bastante tensa, mas o autor consegue desenvolver seu roteiro com extrema delicadeza, tratando a brutalidade e muitas vezes a crueza daquela realidade de uma forma tão cuidadosa e permeada com momentos de encanto. Seus personagens encontram razões para sorrir nas mais surpreendentes situações.
Meu exemplar encontra-se completamente cheio de anotações e sublinhados, realmente um encanto. Das partes que sublinhei destaco:

" Primeiro as cores, depois os humanos. Em geral, é assim que vejo as coisas. Ou, pelo menos, é o que tento. EIS UM PEQUENO FATO: você vai morrer.
   Com absoluta sinceridade, tento ser otimista a respeito de todo esse assunto, embora a maioria das pessoas sinta-se impedida de acreditar em mim, sejam quais forem seus protestos. Por favor, confie em mim. Decididamente, eu sei ser animada, sei ser amável. Agradável. Afável. E esses são apenas os As. Só não me peça para ser simpática. Simpatia não tem nada a ver comigo.
REAÇÃO AO FATO SUPRACITADO: Isso preocupa você? Insisto - não tenha medo. Sou tudo, menos injusta. "

" Pessoalmente gosto do céu cor de chocolate. Chocolate- escuro, bem escuro. As pessoas dizem que ele condiz comigo. Mas procuro gostar de todas as cores que vejo - o espectro inteiro. Um bilhão de sabores, mais ou menos, nenhum deles exatamente igual, e um céu para chupar devagarzinho. Tira a contundência da situação. Ajuda-me a relaxar.
   UMA PEQUENA TEORIA:
  As pessoas só observam as cores do dia no começo e no fim, mas para mim, está muito claro que o dia se funde através de uma multidão de matizes e gradações, a cada momento que passa. Uma só hora pode consistir em milhares de cores diferentes. Amarelos céreos, azuis borrifados de nuvens. Escuridões enevoadas. No meu ramo de atividade, faço questão de notá-los.
  Como eu digo, o único dom que me salva é a distração. Ela preserva minha sanidade. Ajuda-me a aguentar, considerando-se há quanto tempo venho executando esse trabalho. O problema é: quem poderia me substituir? Quem tomaria meu lugar, enquanto eu tiro uma folga em seus destinos-padrão de férias, no estilo resort, seja ele tropical, seja da variedade estação de inverno? A resposta, é claro, é ninguém, o que me instigou a tomar uma decisão consciente e deliberada - fazer da distração minhas férias. Nem preciso dizer que tiro férias à prestação. Em cores. (...)
   De que precisa se distrair? (...)
   São os humanos que sobram. 
   Os sobreviventes.
   É para eles que não suporto olhar, embora ainda falhe em muitas ocasiões. Procuro deliberadamente as cores para tirá-los da cabeça, mas, vez por outra, sou testemunha dos que ficam para trás, desintegrando-se no quebra-cabeça do reconhecimento, do desespero e da surpresa. Eles tem corações vazados. Tem pulmões esgotados. "

" As árvores usavam cobertores de gelo. "

" Quanto a mim, eu já havia cometido o mais elementar dos erros. Não consigo lhe explicar a intensidade de minha decepção comigo mesma. "

" Uma definição não encontrada no dicionário: Não ir embora: ato de confiança e amor, comumente decifrado pelas crianças. "

" Tive vontade de dizer muitas coisas à roubadora de livros, sobre a beleza e a brutalidade. Mas que poderia dizer-lhe sobre essas coisas que ela já não soubesse? Tive vontade de lhe explicar que constantemente subestimo a raça humana - que raras vezes simplesmente a estimo. Tive vontade de lhe perguntar como uma mesma coisa podia ser tão medonha e tão gloriosa, e ter palavras e histórias tão amaldiçoadas e tão brilhantes.
   Nenhuma dessas coisas, porém, saiu de minha boca.
   Tudo o que pude fazer foi virar-me para Liesel Meminger e lhe dizer a única verdade que realmente sei. Eu a disse à menina que roubava livros e a digo a você agora:
   Uma última nota de sua narradora: Os seres Humanos me assombram. "



* Um livro fantástico para ler no outono ou no inverno, sem música, no máxima a chuva. Um livro que trata de todas as perdas possíveis, mas trata principalmente de corações bons, que são alento nas horas mais difíceis. Um livro para guardar para sempre. 



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