Aqui é onde a terra se despe
e o tempo se deita..

(Mia Couto, A Varanda do Frangipani)

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Sobre medidas de afeto e perdão


O acaso, a vida que morre e seus incontáveis imortais que insistem em ressurgir aqui ou acolá. Essa mesma vida que nos abandona segundo a segundo. Os imortais que vivem sob alguma outra perspectiva. Eu, mortal, tão mortal que já quase inexisto nessas vidas tão auto-suficientes cheias de suas verdades, de tão mortal que sou tornei-me surda. Mortal, falha, fraca, mesmo sabendo do tamanho da força que exigiu meu silêncio naquela hora. Logo tu, que me deste de comer e por tanto tempo me alimentaste com teu até então amor incondicional. Um amor bonito. Agora teu amor é superior, destinando apenas aos mais entendidos, aos mais flexíveis e menos sinceros. Preferia que eu fosse muda, seria agora imortal como tu talvez. Ou quem sabe nada diferente do que sou agora me tornaria a pessoa que tu imaginaste digna para receber teu afeto. 
Morri como morrem os fracos, só pelas tuas palavras. Com a mesma voz que tanta coisa me ensinaste, com a mesma força que tantas vezes conseguiste me fazer entender os erros. Não morri por ti, e, acredite, não morri para ti. Morri dentro do que acredito, minha própria verdade acabou por envenenar-me. Continuo aqui. Morta, longe dos teus imortais, eles agora estão a salvo do que não é necessário falar. Aliás, como falam pouco. Não te preocupes mais, e onde estou agora, aqui, tuas orações não conseguem chegar. Aqui é muito longe da casa que tem cheiro de pão crescendo todas as manhãs de sábado. Aqui e perto demais de tudo que tu não queres ver. Aqui a vida de quem morreu  é muito mais crua e um pouco escura demais para que essas verdades tomem algum contorno em tuas retinas. 
Doeu-me morrer assim. Ainda dói. Assumo toda culpa por essa morte, mesmo que meus dedos travem muito para escrever isso. Assumo que mesmo morta guardo as mais belas lembranças de ti. Sei que jamais entenderas, e que a tua maneira já me perdoaste.
Vó, o que me mata é justamente o que me devolve a vida instantes depois, minha fidelidade com as coisas que vem do coração. Não te pedirei perdão porque não acredito em absolvições divinas. Sou mortal vó. Mortal desde sempre.

( talvez tu tenhas razão e eu não saiba mesmo perdoar, pelo menos não da maneira que tu acreditas, e nem da maneira que tu imaginas que tenha que ser. E talvez eu esteja tentando, mas simplesmente não saiba como fazer. Ou eu tenha aprendido a conviver com isso sem me machucar mais, e isso deveria bastar. )




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