Aqui é onde a terra se despe
e o tempo se deita..

(Mia Couto, A Varanda do Frangipani)

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Sobre gostar


Gosto de ti
Gosto de gostar de ti
Gosto do gosto que tem esse gostar 
Gosto disso de gostar que fica em mim e vem de ti
Gosto da maneira óbvia que eu sempre soube que gostaria assim
Gosto mais de mim agora que gosto de ti
Gosto de saber que vou gostar ainda mais de ti e de mim por gostar de ti

Porque na verdade eu

Gosto do teu cheiro
Gosto da cor do teu olho
Gosto da intensidade do teu toque
Gosto tanto, mas tanto do timbre da tua voz
Gosto da maneira que escreves
Gosto da maneira que escovas o cabelo antes de me mandar uma foto
Gosto de imaginar essas coisas tuas que ainda não conheço, e gosto.

Gosto de não saber explicar como gosto ou porque gosto
Gosto de ti da maneira mais simples e pura que sei gostar

Gosto de ti e às vezes isso me basta.



segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Afinidade - Arthur da Távola



A afinidade não é o mais brilhante, mas o mais sutil,
delicado e penetrante dos sentimentos.
O mais independente.

Não importa o tempo, a ausência, os adiamentos,
as distâncias,  as impossibilidades.
Quando há afinidade, qualquer reencontro retoma a relação,
o diálogo, a conversa, o afeto, no exato ponto em que foi interrompido.
Afinidade é não haver tempo mediando a vida.

É uma vitória do adivinhado sobre o real.
Do subjetivo pelo objetivo.
Do permanente sobre o passageiro.
Do básico sobre o superficial.
Ter afinidade é muito raro.

Mas quando existe não precisa de códigos verbais para se manifestar.
Existia antes do conhecimento, irradia durante e permanece depois
que as pessoas deixaram de estar juntas.
O que você tem dificuldade de expressar a um não afim, sai simples
e claro diante de alguém com quem você tem afinidade.

Afinidade é ficar longe pensando parecido a respeito dos mesmos
fatos que impressionam, comovem ou mobilizam.
É ficar conversando sem trocar palavra.
É receber o que vem do outro com aceitação anterior ao entendimento.

Afinidade é sentir com.
Nem sentir contra, nem sentir para, nem sentir por, nem sentir pelo.
Quanta gente ama loucamente, mas sente contra o ser amado.
Quantos amam e sentem para o ser amado, e não por eles próprios.

Sentir com é não ter necessidade de explicar o que está sentindo.
É olhar e perceber.
É mais calar do que falar.
Ou quando é falar, jamais explicar, apenas afirmar.

(...)
A afinidade é singular, discreta e independente,
porque não precisa do tempo para existir.
Vinte anos sem ver aquela pessoa com quem se estabeleceu
o vínculo da afinidade!
No dia que você a vir de novo, você vai prosseguir a relação
exatamente no ponto em que parou.
Afinidade é a adivinhação de essências não conhecidas
nem pelas pessoas que as tem.

Por prescindir do tempo e ser a ele superior,
a afinidade vence a morte, porque cada um de nós traz afinidades
ancestrais com a experiência da espécie com o inconsciente.
Ela se prolonga nas células dos que nascem de nós
para encontrar sintonias futuras nas quais estaremos presentes.
Sensível é a afinidade.
É exigente, apenas de que as pessoas evoluam parecido.
Que a erosão, amadurecimento ou aperfeiçoamento sejam do mesmo grau,
porque o que define a afinidade é a sua existência também depois.

(...)
Afinidade é ter perdas semelhantes e iguais esperanças,
é conversar no silêncio, tanto das possibilidades exercidas,
quanto das impossibilidades vividas.

Afinidade é retomar a relação do ponto em que parou,
sem lamentar o tempo da separação.
Porque tempo e separação nunca existiram.
Foram apenas a oportunidade dada ( tirada ) pela vida,
para que a maturação comum pudesse se dar.
E para que cada pessoa pudesse e possa ser, cada vez mais,
a expressão do outro sob a forma ampliada e
refletida do eu individual aprimorado.

Arthur da Távola 








domingo, 11 de janeiro de 2015

O Melhor da Vida - Marcelo Jeneci





 ( e não é? )



Com palavras prontas



" Dos cegos do castelo me despeço e vou
a pé até encontrar um caminho, um lugar pro que eu sou.
E se você puder me olhar, se você quiser me achar,
e se você trouxer o seu lar...
Eu vou cuidar, eu cuidarei dele
Eu vou cuidar do seu jardim
Eu vou cuidar, eu cuidarei muito bem dele
Eu vou cuidar, 
Eu cuidarei do seu jantar,
do céu e do mar,
e de Você e de Mim..."

Os cegos do castelo -


( já não estamos em silêncio. )




quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Sobre medidas de afeto e perdão


O acaso, a vida que morre e seus incontáveis imortais que insistem em ressurgir aqui ou acolá. Essa mesma vida que nos abandona segundo a segundo. Os imortais que vivem sob alguma outra perspectiva. Eu, mortal, tão mortal que já quase inexisto nessas vidas tão auto-suficientes cheias de suas verdades, de tão mortal que sou tornei-me surda. Mortal, falha, fraca, mesmo sabendo do tamanho da força que exigiu meu silêncio naquela hora. Logo tu, que me deste de comer e por tanto tempo me alimentaste com teu até então amor incondicional. Um amor bonito. Agora teu amor é superior, destinando apenas aos mais entendidos, aos mais flexíveis e menos sinceros. Preferia que eu fosse muda, seria agora imortal como tu talvez. Ou quem sabe nada diferente do que sou agora me tornaria a pessoa que tu imaginaste digna para receber teu afeto. 
Morri como morrem os fracos, só pelas tuas palavras. Com a mesma voz que tanta coisa me ensinaste, com a mesma força que tantas vezes conseguiste me fazer entender os erros. Não morri por ti, e, acredite, não morri para ti. Morri dentro do que acredito, minha própria verdade acabou por envenenar-me. Continuo aqui. Morta, longe dos teus imortais, eles agora estão a salvo do que não é necessário falar. Aliás, como falam pouco. Não te preocupes mais, e onde estou agora, aqui, tuas orações não conseguem chegar. Aqui é muito longe da casa que tem cheiro de pão crescendo todas as manhãs de sábado. Aqui e perto demais de tudo que tu não queres ver. Aqui a vida de quem morreu  é muito mais crua e um pouco escura demais para que essas verdades tomem algum contorno em tuas retinas. 
Doeu-me morrer assim. Ainda dói. Assumo toda culpa por essa morte, mesmo que meus dedos travem muito para escrever isso. Assumo que mesmo morta guardo as mais belas lembranças de ti. Sei que jamais entenderas, e que a tua maneira já me perdoaste.
Vó, o que me mata é justamente o que me devolve a vida instantes depois, minha fidelidade com as coisas que vem do coração. Não te pedirei perdão porque não acredito em absolvições divinas. Sou mortal vó. Mortal desde sempre.

( talvez tu tenhas razão e eu não saiba mesmo perdoar, pelo menos não da maneira que tu acreditas, e nem da maneira que tu imaginas que tenha que ser. E talvez eu esteja tentando, mas simplesmente não saiba como fazer. Ou eu tenha aprendido a conviver com isso sem me machucar mais, e isso deveria bastar. )




Balanço Literário 2014



O Skoob propôs um balanço literário das leituras em 2014, achei a ideia bem bacana, e resolvi participar da brincadeira. Os meus eleitos:

1. O melhor livro que li este ano: " A Assinatura de Todas As Coisas " Elizabeth Gilbert. É uma obra escrita com um encanto único. Merece reverências.

2. Surpreendeu positivamente: " A menina que roubava Livros " Markus Zusak. Não sei explicar, acho que é uma daquelas coisas de livro, que ele sabe quem deve lê-lo e a hora certa para isso acontecer. É uma obra fantástica.

3. Surpreendeu negativamente: " O tempo é um rio que corre " Lya Luft. Adoro a literatura dela, mas esse livro em especial sinto que necessito de mais alguns anos para captar sua verdadeira essência. 

4. Abandonei, mas vou dar uma chance: " Israel em Abril " Érico Veríssimo. Aquela velha mania de ler uns três livros ao mesmo tempo e acabei deixando esse de lado.

5. Leitura boa, mas difícil: " Além do Bem e do Mal " Friedrich Nietzsche. Obra indiscutivelmente fantástica, mas proporcionalmente difícil, muito difícil.

6. Chorei de Soluçar: " Em busca da cura " Marcus Fahr Pessoa. Daqueles livros que te mudam para sempre.

7. Divertido: " Bella Toscana " Frances Mayes. Não exatamente divertido e sim delicado, sensível, escrito por alguém de bem com a vida.

8. Próxima Leitura: " Beauvoir apaixonada" Irène Frain. Quem resite a um livro sobre o romance mais intenso de Simone de Beauvoir? 

9. Quero ler, mas ainda não tenho: " Só a exaustão traz a verdade " Ismael Caneppele. Sou apaixonada pela literatura desse gaúcho fantástico. Muita expectativa por esse último livro dele. 

10. Menção Honrosa: Impossível não citar: " O tempo entre costuras " de María Dueñas, " A melhor história ainda está por vir " também de María Dueñas e " As Palavras " Curadoria de Roberto Corrêa dos Santos sobre a obra de Clarice Lispector.