Aqui é onde a terra se despe
e o tempo se deita..

(Mia Couto, A Varanda do Frangipani)

sexta-feira, 21 de março de 2014





Ainda quero pensar em Sânscrito.



A lente mais grossa


Acho que alguma vez o corpo precisa expurgar os acúmulos da carne e da alma. Sangrar e chorar. Sincronizar o que precisa ser curado e o que precisa ser urgentemente eliminado. Então, de repente, um simples arranhão vira uma ferida aberta e purulenta, que coloca para fora tudo que o corpo teimosamente insiste em manter por entre as entranhas, e as vezes as próprias entranhas precisam sangrar. Esse tempo nos obriga parar. Sentir toda a dor e chorar. Colocar para fora o mal que engolimos por certeza em uma vida inteira e por suposição quiçá quantas outras. Parar. Reavaliar. Sentir. Eliminar. Valorizar a dor, pelo tempo suficiente para o entendimento e depois pedir sabedoria para abandoná-la e também sua casca. Respirar. Reaprender a respirar, e se necessário caminhar com menos pressa, pisando mais leve e demorando-se mais no que é micro. Amadurecendo a alma e fortificando o corpo. Abandonando as certezas. Abraçando árvores e perdoando pessoas. Perdoando a primeira pessoa do singular. Seguir para algum lugar, que pode não necessariamente ser em frente ( ao lado, e também há um outro lado. ). E sempre haverá o lado de dentro, aquecido e amaciado pelo equilíbrio do auto conhecimento. Uma repetição que pode ser agradável na rotina que quer ser envolvida por um pouco de paciência, com o teu tempo e com o tempo do outro. Um aceitar-se como ser mutável.

( era só uma teoria sobre a aceitação e o amor incondicional que virou um parágrafo meio zen, meio bicho grilo. Assim assim, meio do nada, sobre quase tudo, mas bem sem intenção de ser algo grande. Só queria ser escrito. Só para lembrar de ser. Só algo de hoje, para um amanhã mais bonito. )




Um medo entre tantos


Uma impermeabilidade na alma. 
Nada consegue entrar por entre o que já nos ocupa. A dor é sempre funda e por trás dela ( se a força permitir ainda ) o que surge é sempre mais dolorido. Não há pausa para cura, não há o que se faça que mude o sentimento tingido de turbidez. A pressa, o pulso, o sangue, a ferida. A inércia e a dor, o frio e a demora de tudo que pudesse significar alívio. A esperança engolida como a noite que nunca acaba e marca os olhos de uma cicatriz por sob as pálpebras. O que não pode se esquecer, que grita e quer sair, mas está preso. Um muro alto. Uma sombra, um assombro. Uma incerteza, um amanhã arrastado. 

( Se fosse permitido despir-se de toda crença e a nudez da alma trouxesse algum alívio o pranto poderia antecipar-se, o espaço entre o abrir dos olhos seria suavizado. Por hoje ainda preciso acender uma vela e pedir proteção. Acreditar em tudo que existe entre o que não se vê e que se deseja tocar. )