Aqui é onde a terra se despe
e o tempo se deita..

(Mia Couto, A Varanda do Frangipani)

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Besouros que alimentam-se de pó e olhos coloridos


É sempre um trabalho exaustivo arrumar as gavetas. Fica tanta coisa no fundo de algumas delas que acabam encobrindo a lucidez, a poeira acaba por tapar a coerência e o que nos resta é sempre muito pouco. Nunca o suficiente para que os vidros tenham um aspecto um pouco mais limpo pela manhã. É sempre algo difícil de se tirar; do fundo das gavetas e das superfícies lisas das janelas. Esse acúmulo permanece nas entranhas e corrompe a circulação das pernas, os pés permanecem gelados, não nos levam mais aos lugares claros. A retina também sofre com a poeira. Embaçamento. Sempre há algum besouro seco no meio de tanta coisa guardada, como se fizesse parte de um relicário à essa desordem humana que me consome. Movimentar mãos algemadas é doloroso. Correntes sempre machucam mais do que as cordas e são imensamente mais difíceis de soltar, e os olhos verdes sempre ficam na mesinha de cabeceira, dentro de um copo com água para manter a umidade e a lembrança do que ainda está por vir. 




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Coloque uma margarida nessa pulseira, vou gostar.