Aqui é onde a terra se despe
e o tempo se deita..

(Mia Couto, A Varanda do Frangipani)

sábado, 5 de janeiro de 2013

Carta à um lugar


 Querido, amado e generoso Vale dos Vinhedos, antigamente eras apenas a Linha Leopoldina, agora te tratam com ares de sofisticação européia. Quero te pedir desculpas. Sim, te devo desculpas. Não apenas eu, mas todos nós que passamos por aqui e não te percebemos mais com os olhos simples de quando ainda não eras um personagem geográfico tão ilustre.

  Hoje ninguém te visita mais, apenas te passam. Entram em um ou outro lugar sem te cumprimentar, sem te olhar nos olhos. Tuas estradinhas ladeadas por plátanos sempre podados à mesma maneira não levam mais à ti, levam apenas aos teus inquilinos. É triste apenas passar. E justamente  aqui onde o tempo existe de uma outra maneira. 

  Não são somente vinhas frutadas, são histórias de nonos e tratores, chapéus de palha, calças beges remendadas, cestos de vimes, mãos ruspigas, pão no forno de barro, a figada no tacho de cobre, os gatos na sombra do cinamomo. A raspa do tacho é a melhor parte do doce, as hortas, a salada de raddicci com lardo, as baretas no encosto da cadeira de madeira. Um dialeto quase morto. 

  Fostes saqueado e engarrafado. Te vendem com denominação de origem descaracterizando a  própria origem. Tão somente um lugar com bastante lugares para serem visitados. Apenas uma ferramenta para índices de crescimento turístico. Uma marca.

   Tu és de uma safra especial querido Vale. Que seja um bom ano, reajas, perfume qualquer canto com o  cheiro dessas uvas sagradas, esses figos que são pura doçura e nos ensines novamente a passar por aqui com o encantamento que só a tua simplicidade sabe ter.

  Escrevo-te com todo meu carinho, peço perdão pela pressa e agradeço pela hospedagem em tempo de infância no pé de figo. 

  
  
  

  




Nenhum comentário:

Postar um comentário

Coloque uma margarida nessa pulseira, vou gostar.