Aqui é onde a terra se despe
e o tempo se deita..

(Mia Couto, A Varanda do Frangipani)

terça-feira, 24 de julho de 2012

Era meu esse rosto

  Só poderia classificar a linguagem de Márcia Tiburi em Era meu esse rosto, como delicadamente enigmática.  É assim que a autora apresenta o universo de um menino de sete anos e sua família, tendo seu avô como figura chave, imersos em um cenário rural e bucólico, permeado por perdas bastante significativas e dolorosas. 

  Quando adulto parte em uma busca solitária e silenciosa, carregando apenas sua máquina fotográfica, tentando montar o que ficou incompleto em sua infância. Por vezes cheguei a pensar que as fotos eram metáforas de imagens guardadas da infância crua, ainda vivas em sua memória.

  O livro é repleto de frases fortes. Cria uma espécie de eco depois de cada parágrafo. Impossível estar imune a esse novo modelo de linguagem, um estilo único e absolutamente marcante. Narrativa generosa. Inesquecível e tocante; delicado. 

  Um livro intenso, para ser lido no inverno; à noite. Um livro para guardar com carinho, junto com as lembranças do nono fazendo cestos de vime, e do pai na poda das parreiras. Um livro com jeito de memória pura e próxima. 

  A passagem ( uma das ) que mais me marcou:

" Flores esfriam na xícara tampada sobre a pia. Chá de margaridas para a secura da pele ou a oleosidade, já  não lembro que me diz minha tia. É com essa água de ácido perfume que ela lavará o rosto antes do passeio ao cemitério ao qual iremos pela borda do asfalto. Ligaremos os dedos mínimos evitando que suem nossas mãos. Ela me pedirá que regue as plantas dos canteiros em torno do cinamomo que escurece com sua sombra a beleza da morte nos túmulos brancos, essa harmonia perfeita entre as figuras de anjos e as lápides de pedra, a clarear a feiura da morte nas cruzes de madeira sem nome, nas flores de plástico, nos túmulos de terra. As estátuas de mármore sempre acordadas cuidarão do sono dos mortos na eternidade conhecida apenas pelas pedras.
  É dezembro ou será abril? É sempre o mesmo frio, mesmo quando faz sol. São sempre as mesmas sombras mesmo quando mudam as luzes. (...) "  - Trecho inicial do nono capítulo.



  


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Coloque uma margarida nessa pulseira, vou gostar.