Aqui é onde a terra se despe
e o tempo se deita..

(Mia Couto, A Varanda do Frangipani)

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Uma última dança




E eu desejei te encontrar sentado na cadeira do jardim, perto das tuas videiras. Em uma sombra do que foi nossas vidas. Tu já velhinho. Te levaria para dentro de casa, segurando pela mão. Lavaria teu rosto e ajeitaria  teu cabelo. Se preciso fosse, apararia tua barba e passaria creme na tua pele cansada. Lavaria teus pés e cortaria tuas unhas. Teu melhor traje,  lembra-te? Te vestiria com ele e te sentaria na poltrona da sala, perto do fogo. Quero te olhar assim. Sentir tuas mãos, que o tempo não conseguiu mudar. Sentir também teu sorriso, que só vi quando menina. 

Sei que as palavras não são tuas amigas e que o vento leva o amor para longe de ti, na maioria do tempo. Faço um chá para nós dois, queres? Engulo teu silêncio junto com o primeiro gole, já estou familiarizada. Mas estar aqui é bom. Tuas mãos aquecidas, chamam as minhas, ainda geladas pelo sentimento derretendo. Assim viro menina com os cabelos que mal encostam na tua cintura, subo nos teus pés e dançamos. Tu lembrarias do grande dançarino que fostes. Estás cansado já, a dança dura pouco, o vigor  ausentou-se de teu corpo. Vais morrer em breve, e a palavra Perdoa-me vai contigo, no bolso do peito. Falou-me com olhos coloridos, os olhos verdes que na chuva eram azuis.

Minhas mãos são como as tuas, minha boca e meu tom também.
                     se tu pudesses imaginar o peso disso sobre mim,
e nem posso abandonar essa casca que me destes.
Carrego teu nome.
                        E também tenho saudades tuas...
                        mas já te perdi, perdi o caminho até ti...
Até as videiras te perderão...



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