Aqui é onde a terra se despe
e o tempo se deita..

(Mia Couto, A Varanda do Frangipani)

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Pele de cão



Talvez seja muito cedo para pensar no final. Mas agora parece tão tarde para não pensar assim. E as idéias se amontoam tentando aquecer a memória do frio que faz aqui dentro. É tão longe, tão denso. Completamente modificado hoje, ontem isso tudo não faria o menor sentido. O casaco não serve mais, o frio chega e se aloja por depois dos ossos. Deixa a pele marcada de um tanto de vento gelado que passa por mim como se eu fosse apenas uma barreira que ele transpõe fácil. Ontem li os escritos de alguém que também sente frio. O vento não bateu só em mim. Gosto deles. Realidade que parece vir de uma existência ainda dolorida, digitadas em forma de um vômito por vezes curador. Se eu encontrasse a chave, talvez pudesse me curar. Nunca ouvi falar de alguém que tenha se curado de algo que não o encontrou ainda. Pode ser  pura distração, ou apenas falta de vitamina D. Queria poder conversar com quem os escreveu, parece que ele precisa conversar, parece que eu preciso conversar. Solidões paralelas e distantes, sempre com frio, a minha parece estar evoluindo para um estado pretensioso agora. As noites são mais frias, e é um pouco mais fácil dormir. De qualquer forma, essa não foi uma boa noite. Agora já é tarde e o café vai cair bem. O dia vai vir repetido de ontem, terei que montá-lo com cara de hoje. Os dias nascem para que os matemos pouco a pouco, hoje tenho urgência.




sábado, 23 de junho de 2012

Camuflagem inversa






Por que alguns dias precisam morar na gente?
Por que não posso simplesmente tirar o casaco e entrar em casa?
Por que as janelas não abrem?
Por que a claridade insiste em entrar?
Por que a velha ponte está sempre tão firme?
Por que os olhos são sempre verdes?
Por que não consigo tirar os sapatos?
Por que ninguém volta?
Por que ninguém à volta?
Por que a música é tão fria?
Por que os passos no assoalho de cima nunca cessam?
Por que esse barulho todo?
Por que a porta não é amarela?
Por que precisa de uma tatuagem para lembrar de respirar?
Por que é preciso tanta força para continuar?
Por que a mesma expressão sempre?





Music











terça-feira, 19 de junho de 2012

Emily




Tem música, uma carta, café, bicicleta, sapatos vermelhos, algodão doce e um carrossel tudo isso em um dia nublado. É lindo!



domingo, 17 de junho de 2012

Nunca te vi, sempre te amei





Anthony Hopkins e Anne Bancroft em um filme constrangedoramente encantador.

O cenário divide-se entre o apartamento de uma escritora excêntrica, apaixonada por livros raros em Nova Iorque e uma livraria em Londres, onde Hopkins é o gerente. 


Uma história simples, iniciada em 1949 e estende-se por 20 anos. Correspondiam-se por cartas durante esse tempo, trocando livros e por vezes alguns presentes. A expectativa da espera cria um enredo único, pontuado de uma ternura velada, própria da época.

A distância torna-se um mero detalhe, e as cenas em que eles sentem-se tão próximos, que falam olhando diretamente para a câmera, como se estivessem frente à frente, são emocionantes.

E nunca se viram...

Alguns trechos marcantes do filme:

" Tivesse eu os céus bordados em tecidos envolvidos por luz dourada e prateada... tecidos claros e escuros representando o dia e a noite, eu os espalharia sob seus pés. Mas, como sou pobre, tenho apenas meus sonhos. Espalhei meus sonhos sob seus pés. Caminhe suavemente: Você pisa em meus sonhos."

" A humanidade, como um todo, forma um grande livro.
Quando um homem morre, um capítulo não é arrancado... e sim traduzido para um idioma melhor. E cada capítulo deve assim ser traduzido. Deus emprega vários tradutores. Alguns trechos são traduzidos pela idade... outros por doença; alguns pela guerra. Mas a mão de Deus reúne todas as folhas soltas, e as coloca naquela biblioteca em que os livros se abrem uns para os outros."

" Sinto demais a falta dele. A vida era tão interessante. Ele me explicava e ensinava as coisas dos livros. "

Um belo filme.

* Gosto mais do título original! Vi esse filme por indicação de uma pessoa que ama outra que nunca viu. Torço para que em breve estejam juntos.






Acordo nesse dia em que nada existe, nem o dia. Mas ontem foi sábado e amanhã é segunda. A noite continua, engole o dia e beija o sol como em uma despedida. E eu sinto seu beijo também, por dentro é noite. Não se pode viver essas horas, ninguém sorri de verdade agora. Aqueles olhos permanecem por mais tempo aqui, por ser dia de descanso. Um acaso infeliz. É uma gaiola, o domingo é uma gaiola  muito velha, cheia de ferpas que ferem a carne. Essas grades, o muro e mesmo assim os olhos me alcançam. Malditos sejam eles que só vêem o verde que não existe em mim...

( mas já acordei, e agora? )


sábado, 16 de junho de 2012






áh, se essa rua fosse minha...

Prá quando for frio











Nostalgia



Te convido para um café
Deixo o convite aqui sobre a mesinha de madeira

   Se não o aceitares o vento o levará até alguém 

Alguém que possa me ouvir um pouco
Sei que tu também precisas falar

    O vento é meu amigo

Vai te encontrar
Não demora muito não

  Escolha um final de dia com chuva


Os cafés tendem a ficar mais belos em dias assim
Uma quinta feira seria perfeita

  Te espero qualquer dia ( na verdade não espero, mas te imagino muito )


O convite está feito
O vento é o entregador

  Até lá, fica bem. Cuida de ti. Depois cuidamos de nós...




( Fragmentos de Cartas ao vento - são secretas e nunca serão publicadas  )


sexta-feira, 15 de junho de 2012

Sobre as coisas perdidas



Eu perdi o eu de ontem. Hoje é tudo tão diferente. E amanhã eu nem serei nada do que imaginei hoje. Nunca alcanço o amanhã. A areia do relógio do tempo sempre acaba antes. E recomeça em um ponto qualquer. Não há uma pausa. Não há parada. O pouso é sempre em algum lugar distante. Longe de mim, sem o eu. O céu apaga-se depois da ponte, é uma nuvem. E ninguém mais sabe de mim. Eu fiquei distante e desmarco as horas que o ponteiro insiste em marcar. Deixo um vazio. Fico no vazio. No silêncio. No chão da sala sem os tapetes.  É  frio e alguns farelos de biscoitos estão pontuando o piso de madeira escura. Como se fosse um rastro antigo, uma trilha de alguém que morou aqui. Alguém foi embora. Deve ter sido eu ontem...


Uma última dança




E eu desejei te encontrar sentado na cadeira do jardim, perto das tuas videiras. Em uma sombra do que foi nossas vidas. Tu já velhinho. Te levaria para dentro de casa, segurando pela mão. Lavaria teu rosto e ajeitaria  teu cabelo. Se preciso fosse, apararia tua barba e passaria creme na tua pele cansada. Lavaria teus pés e cortaria tuas unhas. Teu melhor traje,  lembra-te? Te vestiria com ele e te sentaria na poltrona da sala, perto do fogo. Quero te olhar assim. Sentir tuas mãos, que o tempo não conseguiu mudar. Sentir também teu sorriso, que só vi quando menina. 

Sei que as palavras não são tuas amigas e que o vento leva o amor para longe de ti, na maioria do tempo. Faço um chá para nós dois, queres? Engulo teu silêncio junto com o primeiro gole, já estou familiarizada. Mas estar aqui é bom. Tuas mãos aquecidas, chamam as minhas, ainda geladas pelo sentimento derretendo. Assim viro menina com os cabelos que mal encostam na tua cintura, subo nos teus pés e dançamos. Tu lembrarias do grande dançarino que fostes. Estás cansado já, a dança dura pouco, o vigor  ausentou-se de teu corpo. Vais morrer em breve, e a palavra Perdoa-me vai contigo, no bolso do peito. Falou-me com olhos coloridos, os olhos verdes que na chuva eram azuis.

Minhas mãos são como as tuas, minha boca e meu tom também.
                     se tu pudesses imaginar o peso disso sobre mim,
e nem posso abandonar essa casca que me destes.
Carrego teu nome.
                        E também tenho saudades tuas...
                        mas já te perdi, perdi o caminho até ti...
Até as videiras te perderão...





Os teus olhos, sempre tão belos...
 E justamente te mostras à mim, que sou completamente cega...







 Não fico a esperar. Mas te sinto chegar em breve...




quinta-feira, 14 de junho de 2012

Pausar



A cortina fecha-se, é monólogo de dentro agora...
Sem aplausos
Sem ensaios
Sem coadjuvantes
Sair de cena também é parte do espetáculo.



Questões do Coração


  Logo que terminei de ler Clarice, uma biografia, de Benjamin Moser, senti a necessidade de ler algo mais " leve". Feliz surpresa por ter escolhido Questões do Coração, de Emily Giffin. Escolhi o livro ao acaso, sem nenhuma pretensão de grandes leituras, queria relaxar lendo. E foi exatamente o que encontrei nesse livro, leveza. 

  Uma história baseada em fatos cotidianos, de duas mulheres e suas rotinas. Seus conflitos, alegrias e temores. Leitura cativante. Nos faz refletir sobre a importância das pessoas que estão realmente perto. 
  
  A autora consegue colocar a aproximação e os afastamentos em linearidade, de uma maneira brilhante conduz a história à um desfecho comovente e extremamente real. Um relato verdadeiro e sincero. Uma história palpável.

  Um bom livro para um final de semana de outono. 


Questões do Coração
Emily Giffin
Editora Novo Conceito



terça-feira, 12 de junho de 2012

Uma declaração de amor, sim

  

  Passava um pouco do meio dia, de um dia sentimental, em um mês frio. Naquela hora, o movimento de carros era menor, e podia-se andar calmamente. Uma jovem abaixada no canteiro de rosas, juntando galhos recém cortados. A praça das rosas. 

  A expressão do seu rosto era suave, de alegria autêntica. Não à conheço. Mas confesso que achei a cena toda muito linda. Imaginei o jardim dela. Pensei no carinho com que cuida de suas flores. Alguém especial que deve ter lindas rosas em um vaso na sala, ao lado da lareira. Alguém que sorri.

  O senhor que faz a poda das roseiras, deixa os galhos separados para que quem passe por lá possa levar mudas. Logo serão roseiras. É preciso esperar as primeiras geadas. A época certa. Sempre achei que jardineiros possuem talento de anjos.

  Esse jardineiro não cuida só da praça, ajudou o jardim da moça sorridente ficar mais bonito. Ajudou vários outros jardins. E a moça, não cuida só de seu jardim, cuida das rosas na praça também. 

  E nesse dia, em que o sol apareceu no meio de um céu esparramado de azul, as rosas passeiam pela cidade carregadas por moto boys, as pessoas sorriem. Não é apenas o dia dos enamorados, é a celebração do amor.

   E para celebrar o amor, não é necessário que as rosas venham embrulhadas com laço de fita. 

  O amor pode caber assim, na simplicidade de um gesto de afeto do jardineiro. Na ternura de uma moça que gosta de plantar roseiras. Nas coisas pequenas. 

  O amor só precisa ser sentido todos os dias...

(  Há quem prefira margaridas, mas essa seria outra história  )



domingo, 10 de junho de 2012

As amoras



 Chove tanto. Chove muito... Um dia inteiro choveu, molhou a noite. Penso ser tuas lágrimas essas gotas todas. Teus passos inquietos sobre a nuvem. Tu choras. A nuvem chove. 

  Sobraram algumas amoras no pote, tiro-as. Quero tuas lágrimas todas guardadas. Coloco cada gota dessa chuva no pote de amoras. Sem amoras. Só tua tristeza no frasco. 

  Já tenho três frascos de ti em água. Tuas lágrimas que foram chuva e agora guardo como amoras. Tu transparente. Te olho. Não posso deixar-te cair à terra. Estarias ainda mais distante. Vou perder-te assim. E tua tristeza parece não ter fim. Chove.

  Só chove, e é o último pote agora. Precisaria de mais tantos. Depois outros tantos... 

 Tenho as mãos molhadas. De ti, que não consegui guardar. Escorres. Não consigo-te inteiro. Tudo que és não pode caber em potes transparentes. Tudo que sinto também não. 

  Nunca vou poder colocar isso em frascos, onde antes cabiam amoras. Amoras doces. Que agora não tem morada. Como eu. Sem ti, sem potes e sem amoras. 

  Quero me fazer lágrimas também. Não tuas. Transparentes. A imensa nuvem cinza. Tu. Em água. Ainda chove muito. Chove tanto... 

Amor, transbordastes hoje. Agora dorme.






sábado, 9 de junho de 2012

(de) secar



- Não gosto desse teu casaco preto!
-Por que?
- És flor!
- Acordei flor enlutada!

( não lembro onde deixei o casaco vermelho )






sexta-feira, 8 de junho de 2012



E nesses tempos de romance
apaixonei-me pela tua foto
Um caso
de Olhar-te

( incansavelmente )

Rabiscos



Não tive coragem de vestir as outras pessoas que moram em mim. Deixei-as caídas no meio da sala. Inertes e frias. Fui buscar o que respirar sozinha. Longe de todos eles. Uma pausa na pluralidade de (em) mim. Um abandono  bem vindo. Me fiz velha muito antes da chegada dos anos pesados. O rosto limpo permanece dentro das horas na noite que não acaba.Quem nunca dorme sente o tempo passar dobrado.O errado permanece empoeirado e o sorriso encoberto pelo lençol branco, o mesmo que cobre a mobília. Devo à mim mesma várias parcelas de vida, de inúmeras vidas. E essa racionalidade parece surreal agora...


Sem sentir



A cidade assim logo cedo, sem luz. Uma névoa. O frio que não vem só de fora chega, e se aloja depois dos ossos. Os passos, nem sempre firmes, não encontram a luz. Esticar a mão e tentar tocar o céu não é o bastante aqui nesse lugar. Espíritos de mentes fracas e corpos cansados chegam aos poucos. E a falta de certa sentimentalidade fere-me. O mundo comum vestido de hoje também fere. Escolhi o casaco errado, impróprio para dias que grudam na pele, mesmo com camadas extras de roupa ainda sinto. Não quero sentir, por isso o casaco. Acabo nem vendo as respostas, assim como nunca encontro as chaves. Tudo perde-se. E nada é branco. Certas cores não combinam com tudo isso. Uma ausência. Talvez a chuva devesse lavar e afogar o rio que envelheceu debaixo da mesma ponte que me acusa cada nova manhã. Leve o dia contigo, afaste-o. Deixe uma carta.






terça-feira, 5 de junho de 2012

Desaprendendo




Faltaram notas de baunilha naquele cheiro. Faltou a sentimentalidade presa aos nervos. Uma fraude. A pressa, a dureza na música. O reflexo mal interpretado. O olhar era para ser firme. E nem era para ser. Estrada errada.Um acidente no caminho. Muitas pessoas na parada do ônibus. Equívocos de horários. Não quero arrumar o que está quebrado. Deixe-o assim. Não mude. Ou mude tudo. Mas mude depois da ponte.  Ainda bem que a chuva não chegou.. Eu teria do que lembrar depois.




segunda-feira, 4 de junho de 2012



Prá ti!

O pó



Não tenho o que te dizer. Apenas um lamento por ser tudo antigo. Nada de novo não. O vento não muda nada por aqui. O hoje é o mesmo ontem fazendo-se de novo para iludir-se de amanhã. Mas é o mesmo dia velho. E na verdade não lamento por ser assim. Não lamento coisa alguma. Isso seria algo novo. Os outros continuam a passar na velha ponte. Cortam os mesmos galhos secos. Varrem as mesmas folhas caídas. Até a água da torneira de ferro parece enferrujada. Um emaranhado de impossibilidades. Uma estranha sensação de conhecer a voz do vento. Familiaridade criada através do medo do incomum. Pelo menos por aqui não posso reclamar da falta de linearidade.  Só o suficiente. Os farelos de casca de ovo cozido ficaram dentro da chaleira que nem chia mais. Alguém passou por aqui com fome. E não entendeu que casas velhas são sagradas. Não se deve mexer em nada. O passado nunca passa.





domingo, 3 de junho de 2012

Clarice, uma biografia



 Nestes dias em que a obra de Clarice Lispector ganha os Estados Unidos, em traduções extremamente cuidadosas, com elogios de Almodóvar e Pamuk, parece que finalmente o enigmatico mito da literatura brasileira começa ocupar seu devido lugar na história da literatura mundial.

  Clarice, uma biografia ( lê-se Clarice vírgula.  A vírgula depois do nome é uma referência ao estilo da autora, que adorava esse sinal gráfico) escrito com maestria por Benjamin Moser, nos revela a verdade bonita e natural por trás do mito que por muito tempo esteve velado.

  Confesso que biografias sempre me são leituras massantes, e essa, apresentou-se como uma linda a agradável surpresa. Moser nos faz viajar pela infância sofrida e traumática, da escritora nascida na Ucrânia e ainda em criança trazida ao Brasil. Não gostava de ser citada como estrangeira. Clarice sempre fez questão de declarar-se brasileira.

  Sua adolescência no norte do Brasil. Sua maturidade dividida entre o Rio de Janeiro e suas longas temporadas de moradas internacionais por conta de seu casamento com um diplomata. Em um relato cheio de fatos históricos do cenário político brasileiro e mundial, Moser nos insere na realidade do cotidiano em que vivia Clarice enquanto escrevia cada texto.

  A leveza nas palavras, a clareza do texto, a paixão do autor pela escritora (no sentido de admirar) faz dessa biografia uma obra especial. Digna de uma das maiores escritoras do século XX, e me atrevo a dizer que coloca Benjamin Moser como grande divulgador das Obras de Clarice no cenário mundial.

  As 468 páginas resumem 05 anos de pesquisa de Moser e vale cada linha da leitura. Altamente recomendável aos amantes de boas leituras.


* Faz um tempinho já que li esse livro por indicação de um querido e culto amigo. Achei oportuno citar essa semana por conta da grande  divulgação internacional que as Obras de Lispector estão tendo. Sou grata à feliz indicação! :)






sábado, 2 de junho de 2012

Sem importância



Transgredindo os dias, acordo mais tarde. Ainda me sinto presa a cama. É domingo de novo e eu não sei caminhar aos domingos. Não sei como sair daqui. É tarde quando ainda é tão cedo. Uma sombra de dia escuro escorre pelo vidro da janela. Parece quebrar. Como será que as outras pessoas vivem isso? Me pergunto como conseguem almoçar em um dia assim? O sol agora bate no escorrido do vidro. Seca. Gruda. Dia arrastado. Eu arrastada. Banho de pingos grossos. Café forte. Enfrentemos esse dia seja qual for sua graça. Mesmo dia com outro nome. Gosto de imaginar os plurais, e viver a solidão amarga. Eu deveria estar em um cinema agora. Vendo um filme qualquer. Comendo algo talvez, e implicando com alguma legenda torta. Mas não, aqui é só uma sala de alguma casa estranha. Há sempre algo de pesado demais em dias assim. Melhor morrer por hoje na margem do que será amanhã.



É complexo ser simples!?




Tirar os sapatos e por alguns instantes sentir a terra tocando os pés, aproveitar esse tempo e (re)carregar as energias. Beber água de fonte. Desligar o telefone um pouco. Sentir O vento no rosto, ou nos cabelos, se ainda os tiver. Sentar com o cachorro no gramado e ver  o pôr do sol. Andar de balanço com(o) uma criança. Inspirar.

Conseguir respirar o ar puro. Fazer uma fogueira e ouvir a lenha estalando. Sentir a paz em uma oração. Ouvir o silêncio colorido através dos vitrais de uma igreja em uma tarde de sol.  Se não tiver sol, observar como dançam as flores de ipê com uma chuva leve. Ouvir  o badalar dos sinos. Uma Música.

Uma sopa, boa. Uma toalha macia depois de um banho reconfortante. O cheiro da salsa colhida na horta. O cheiro da salsa no molho de cheiro verde na prateleira do mercado. Pão quente. Uma taça de vinho tinto. Outra música.  Um cumprimento educado de um estranho. Passear no mercado público. Respirar.

Uma gentileza no trânsito. Uma palavra nova. Um olhar que brilha. Uma percepção do novo que chega. Uma brisa de mar. O pé na areia. Uma flor colorida. Uma margarida branca. Um almoço agradável com a família. Um telefone de alguém distante. Um pote de açaí. Um passeio pela biblioteca. Um livro. O livro.

Um café fresco. O cheiro do café fresco. Saúde para os espirros. Um arco íris. O casal de velhinhos de mãos dadas. Um chá com amigos. Uma carta ( receber ou mandar ). Uma bala de hortelã. Um casaco de malha no frio. Meias com dedinhos. Uma toca que cubra as orelha. 

Bolsos nos casacos. Carinho de vó. Cheiro de vó. Bolo de tarde. Chá para gripe. Banho para febre. Abraço para as dores que chá não cura. Silêncio que acolhe. Dormir que passa. Água fria para acordar. Massagem leve para relaxar.

Armários mais vazios. Menos sapatos. Suco de fruta fresca. Andar de bicicleta. Sorrir. Cantar. Ler. Verbos de dentro. Abraçar.  Sem apegos.

Se for para ser complexo, que seja simplificando a vida!