Aqui é onde a terra se despe
e o tempo se deita..

(Mia Couto, A Varanda do Frangipani)

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Inventário das meias tristes

 


  Eu já perdi anel, telefone celular, o casaco que eu adorava. Perdi um quase amor, o horário do ônibus, documentos. Perdi a fome, uma chave, já perdi a voz. Fiquei triste com essas perdas, mas nada que se possa comparar ao sentimento da meia no seu singular.

   Tenho uma gaveta cheia delas, sem par. Olhando assim, guardadas, acho que elas são o que pode existir de mais triste. Uma meia sozinha, no meio de tantas outras meias sozinhas.

  Inteira, uma meia já é metade. Sozinha, o que é?  ( falta ) ? Sem saber o destino da sua outra parte,  esperando um retorno, um milagre.

  Guardar meia sem par é crueldade, uma maldade sem tamanho.

  A dor de não saber o porquê. A eterna dúvida. Espera constante. É apenas meia, mas inteira solitária e vazia, do seu lado, sem o par. Fica sem destino, para sempre no fundo de uma gaveta, não se transforma em nada, não vai à lugar algum.

  De tudo que pode ser triste: uma xícara sem a asa, um prato trincado, um bule sem tampa, um chinelo velho, um cobertor rasgado, uma sombrinha furada... Nada nunca será tão triste como a meia sem par.

 As outras coisas tristes, acabam tendo destino. Viram outros objetos, ganham outros formatos. Podem servir de vaso, virar pano, até ir para o lixo.

  O único consolo da meia é a gaveta escura, sem saber o que aconteceu do seu outro lado.

Somente meio meia.


Um comentário:

Coloque uma margarida nessa pulseira, vou gostar.