Aqui é onde a terra se despe
e o tempo se deita..

(Mia Couto, A Varanda do Frangipani)

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

O exercício de matar


   Hoje matei um homem.

  Matei de uma morte seca, sem dor, só a morte bastava. Preparei tudo em detalhes, cada movimento foi estudado, cada toque tinha o tempo certo. Não caberia arrependimentos.

  O primeiro olhar, o mais cruel, aquele em que os olhos ficam levemente apertados e as sobrancelhas arqueadas, um esboço de sorriso frio, olhar de anúncio da morte, ele é como uma carta de uma única palavra. Não existe dó nesse olhar.

  Sua existência assassinada com golpes exatos, até a morbidade crua se fez presente. O dia vestido de neblina foi jazigo, o  vento lhe serviria de lençol.

  Matei e olhei morrer. Uma morte de expurgo, simples e prazerosa como espremer uma espinha purulenta, que sangra pouco e purifica tua crueldade.

  Sem culpa esperei a última respiração, e os suspiros se confundiam, o meu de alívio, de prazer, quase um gozo vazio e o dele pesado e lento, frio, fechado cessou.

  Eu matei aquele homem porque precisava que a morte saísse de mim, não cabíamos mais, eu e ela, na mesma  casca.

   Matei pelo prazer de ver morrer o que me matava... Matei para não morrer...

( Pensei em enterrar o corpo, desisti. Achei melhor livrar-me dos velhos sapatos.)


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